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Zil: o HMMWV que veio do frio!

Fotos e arte: Renato Pereira

Começou assim: as Forças Armadas do Estados Unidos mandaram, e rapidamente a indústria automotiva criou, o Veículo de Rodas Multifuncional de Alta Mobilidade, ou High Mobility Multipurpose Wheeled Vehicle, cuja sigla é a impronunciável HMMWV que, por transcrição fonética, se transformou em Humvee, um veículo militar de quatro rodas produzido pela AM General (divisão criada em 1971 pela American Motors Company  para  a produção de caminhões militares, veículos contratuais e não-comerciais).

Desde a Segunda Guerra Mundial o Exército dos Estaos Unidos se baseou nos Jeep (transcição fonética de G.P., General Purpose, Uso Múltiplo) Willys MB (military model B), para o transporte de pequenos grupos de soldados, rebocar morteiros e outras funções em qualquer terreno. Era compacto,  tinha assentos para a tripulação de 3 homem e aguentava carregar 300 kg de carga útil, pesando pouco mais de uma tonelada. Para a época, não tinha concorrentes, e suas versões civis se esparramaram pelo mundo. Seu sucesso abriu o precedente da necessidade de um sucessor à altura. Todas as montadoras correram às pranchetas.

Em 1977, a Lamborghini desenvolveu o modelo Cheetah com motor Chrysler V8, 5,9 litros a gasolina, com 180 Cv de potência, em uma tentativa de atender as especificações do contrato do exército.

Não correspondeu, tentou novamente em 1986 com o LM002 com motor Lamborghini Maritimo V12, 7,2 litros, a gasolina, com 880 Cv de potência. Novamente não conseguiu, posssivelmente porque seus modelos, embora robustos, lembrassem mais um imenso buggy de lazer do que um veículo de uso militar.

Como nada agradava, em 1979 aquele pessoal fardado que trabalha dentro de um prédio estranho com seis lados, as margens do Rio Potomac, juntou as necessidades descritas por seus oficiais de campo e elaborou especificações pontuais para o seu Veículo de Rodas Multifuncional de Alta Mobilidade.  O veículo deveria substituir os veículos táticos entre 1 e 4 toneladas M151 e o MUTT M561

e desempenhar o papel de ambos. Deveria ter excelente desempenho em situações on e off-road,boa capacidade de carga, e alta resistênia contra fogo indireto. Comparado ao velho Jeep, deveria ter 410mm a mais de distância do solo, ângulo de ataque com  inclinação de 60° e ânuglo de fuga com inclinação de 40°, uma entrada de ar no para-lamas direito e um snorkel ao nivel do teto com 1,5 metros de altura, sistema eletrônico impermeabilizado para atravessar até 0,76cm de altura de água, e o radiador de água do motor deveria ser montado no alto do capô, inclinado e com dobradiças. Não houve nenhuma especificação quanto a beleza, que foi imediatamente excluída. 61 empresas, automotivas ou não, entraram no jogo, onde apenas três candidatos conseguiram apresentar seus projetos: Chrysler Defense,

Teledyne Continental

e AM General, que venceu a concorrência com seu m998 A0, motor V8 6,2 litros a diesel, transmissão automática com 3 velocidades e capacidade de carga de 1.100 kg. entregando várias unidades protótipos para uma série de testes. As primeiras 2.334 unidades (de um total de 55 mil encomendadas) foram entregues em 1983 e o restante, inclusive vendidos para outros países, foram entregues ao longo dos anos até 1991, quando a divisão motorizada foi desativada, hoje produzindo-se apenas peças de reposição para as milhares de unidades em atividade.

Todo esse sucesso, aliado a mania de grandeza intrínseca dos norte-americanos, levou a  produção da versão civilizada do Humvee, rebatizada Hummer, tão feia, desengonçada e de dimensões gigantoscópicas quanto as versões militares do “Jipão”, que fizeram a alegria de rappers, atletas e celebridades que curtem aparições nada discretas, os H1, H2 e H3.

E continuou assim: Do outro lado do mapa-mundi, depois da divisão do que um dia foi um império colossal e rico (para os poucos que lá mandavam…), a falida e combalida Rússia estava alí, na dela, assistindo de camarote as peripécias automotivas dos rivais norte-americanos. Logo, assistiram todo o desenvolvimento, testes, ações e versões do HMMWV, e alguns dos novos-ricos do país – sempre tem uns que ficam muito mais ricos enquanto todos ficam muito mais pobres, e brasileiro sabe bem disso também – acharam bacana desfilar a bordo dos mastodontes Hummer e sim, você encontra dessas coisas ambulantes em alguns lugares por lá também.

Porém, quem estava de olho mesmo pra ver o que funcionava e o que dava errado no veículo americano não eram os novos playboys, eram as Сухопутные войска Российской Федерации (Forças Terrestres da Federação Russa) que colocou sua tropa de militares e engenheiros para criar algo melhor do que aquela coisa de nome impronunciável. Com sua indústria automotiva aos pedaços, funcionando na base de joint ventures e licenciamentos de montadoras de outros países, designaram a AMO ZIL – Автомобильное Московское Общество, Sociedade Automotiva Moscou + ZIL –  Завод имени Лихачёва , Zavod imeni Likhachova, Fabrica nomeada para Likhachov (porque seu diretor era Ivan Alekseevich Likhachov) para o desenvolvimento do projeto.

Bom, com nome destronca-lingua e esse logotipo – ЗиЛ – que significa Zil, e tendo em mente que deveriam criar algo próximo ao sobrenatural (diga-se o que se disser, esses caras dessa parte do mundo produzem veículos com aparência apavorante, porém assustadoramente eficientes, que atravessam pântanos, rios e geleiras, mergulhados até o teto, puxando a carga que for) para entregar às suas Forças Terrestres e vender o máximo possível para os países “amigos”, deixaram de lado a criação de seus caminhões, ônibus blindados e limusines (líderes soviéticos são comunistas mas não são bobos, curtem um luxo, e uma limusine Zil, independente de sua feiúra, custa mais caro do que um Rolls Royce ou Maybach) e puseram mãos-a-obra.

O resultado está aí. Este é o Высокая Многоцелевой Mobility колесного транспортного средства russo. Significa a mesma coisa que HMMWV, mas como ninguém o batizou ainda, eu mesmo me encarreguei da tarefa. Deve ter dado trabalho, mas conseguiram fazer um veículo ainda mais desengonçado do que os norte-americanos. Mas não nos esqueçamos, jamais, que design, alta qualidade e acabamento jamais fizeram parte do vocabulário russo. O que eles querem é que funcione e, como já mencionado, as traquitanas que eles bolam, excetuando-se os aviões, funcionam direitinho. Como também é do hábito soviético, ninguém tinha a menor idéia do que eles andavam fazendo, apenas o mundo ocidental não é tão bobo a ponto de acreditar que nada estava acontecendo. Uma ou outra informação desencontrada e só. No entanto, tiveram tempo suficiente e o HMMWV russo não é um protótipo, é um “Jipão” real, pronto para o uso e comercialização.

É esquisito externamente, como podemos observar. Sua dianteira é realmente bizarra, e suas linhas laterais são ainda piores. Porém, essas linhas retas e chapas inclinadas tem a função de não ser captadas por radares e ricochetear os tiros, além de impossibilitar a colagem de bombas de acionamento retardado. Se resiste melhor a um IED (improvised explosive device, artefato explosivo improvisado) que manda diariamente para os ares os Humvee norte-americanos no Afeganistão, não se sabe ainda. Conseguir as informações que se seguem, para esta matéria, já foi um trabalho hercúleo do www.carpointnews.com.br.

Internamente o veículo é muito funcional.

Uma infinidade de telas de vídeo transmitem as imagens captadas por seis câmeras externas, onde até 9 tripulantes (mais o motorista) totalmente equipados acompanham os acontecimentos, prontos para a ação.

O acesso ao interior se dá através de 4 portas com abertura em asa-de-gaivota laterais e duas enormes portas traseiras. O veículo é impulsionado por um potente motor  Cummins 4 cilindros turbo, a diesel, com 185 Cv de potência, acoplado a uma transmissão ZF manual de 5 marchas e, claro, tração integral permanente nas 4 rodas. Suas dimensões são: 6,33m de comprimento, 2,56m de altura e pesa 4,57 toneladas (!) Certamente testaram à exaustão seus protótipos pelos 6.000 quilômetros desanimadores da M-56 até Yakutsk na Sibéria Oriental, foram e voltaram ao Porto de Magadan atravessando a impensável R504 дорога Колыма (Kolyma Highway, algo impensável para motoristas e veículos normais) e se enterraram fundo nos pântanos de Arkhangelsk ao norte, na cara do Mar Branco. E estão prontos para o mercado.

Agora, respondendo a pergunta que todo mundo deve estar se fazendo: a troco de que o www.carpointnews.com.br. está apresentando esse “Jipão” desengonçado, meio marciano e de uso militar?

Simples… porque assim que essa traquitana estiver nas ruas, as legiões de fãs de veículos estapafúrdios estará fazendo fila para comprar uma versão “civil” do veículo, sem se importar com a montanha de Rublos que deverá custar… e isso vai acontecer, mais cedo ou mais tarde!

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