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Saiba tudo sobre os sistemas de câmbios

Fotos: Renato Pereira

O motor de um veículo, se comparado à anatomia humana, costuma ser definido como o coração. Mas, assim como em um corpo humano um coração sozinho é totalmente inútil, em um automóvel um motor sozinho não serve para nada. Se precisamos ter um sistema nervoso para podermos caminhar, um motor precisa de uma transmissão, popularmente conhecida como Caixa de Câmbio ou Caixa de Marchas, para enviar para as rodas toda sua potência.

Para a engenharia, é muito mais importante desenvolver uma transmissão efetivamente funcional do que um “novo” motor propriamente dito. Motores à combustão interna só diferem no combustível, de resto seu funcionamento é praticamente igual. Aplicam-se apendêndices para aumentar sua potência e outros artifícios, mas, em resumo, seu funcionamento e ineficiência – não se consegue extrair mais do que 60% da potência que um motor gera – são iguais.

A busca-se pela equação da menor energia x o melhor desempenho é antiga. O Santo Graal dessa procura é a transmissão infinita, que faria com que a energia gerada fosse cada vez menor ao passo que o deslocamento fosse cada vez mais rápido e ininterrupto. Mas nós temos o problema da gravidade que atrapalha tudo, e ninguém chegou lá até agora, até porque, há muito tempo mesmo, ninguém realmente inventa nada em nenhum setor; tudo o que se tem feito é atualizar com métodos e materiais novos o que foi criado mais ou menos na Era do Gelo.

Assim, em pleno século 21 temos á disposição apenas as transmissões: mecânica, onde o motorista tem de saber a hora e como trocar as marchas; a automática, que muda a marcha sozinha em função da velocidade do veículo e das rotações do motor; a semi-automática, chamada de  automatizada, que faz a mesma coisa que a automática só que controlada por computador; a dupla embreagem, um misto de semi-automática com mecânica e a nova coqueluche, a CVT. Vamos dar uma olhada em todos os sistemas, entender seus funcionamentos, suas vantagens e desvantagens?

O que é:

Uma Caixa de Câmbio ou Caixa de Marchas serve para desmultiplicar as rotações do motor, (através de um eixo cardan), para o diferencial, que vai distribuir essa força para as rodas. Simplificando, quanto maior a rotação do motor em relação à rotação do eixo, maior será a força e, quanto menor a rotação do motor em relação à rotação do eixo, maior será a velocidade, e esse eixo não gira na mesma rotação nem do motor, nem da saída do diferencial. Resumindo o resumo, a cada marcha engatada, a velocidade da caixa em proporção à rotação do motor/rotação do eixo varia simultaneamente.Sintetizando, um Câmbio ou Caixa de Marchas é um multiplicador de força e ou velocidade do motor.

Na caixa de velocidades típicas existem séries de engrenagens, sendo que as do eixo principal recebem por um volante a rotação do motor, por intermédio da embreagem, transmitindo para as engrenagens do eixo intermediário o movimento do eixo primário e passa esse movimento às engrenagens do eixo secundário em suas respectivas mudanças, que entrega um submúltiplo dessa rotação ao eixo cardan, e esse para o diferencial. Basicamente é isso, e uma visita à uma oficina para ver de perto uma caixa aberta acaba com qualquer dúvida.

De onde veio a idéia?

Os primeiros engenheiros a tentar utilizar um sistema de transmissão eficiente foram René Panhard e Émile Levassor, fabricantes dos automóveis Panhard et Levassor em 1890, sob licença da empresa de Gottlieb Daimler. Mas no dia da apresentação de seu carro, o motor simplesmente não funcionou. Demorou um ano após essa apresentação desastrosa pra que recuperassem sua reputação, a imprensa (já existia!) dirigir o carro e, com isso, eles mudaram a mentalidade coletiva a respeito dos automóveis. Em 1895, lançaram um revolucionário modelo, com motor 1,2 litros e 4 Cv com o novo layout de drivetrain utilizado na maioria dos carros até hoje, ao inserirem um pedal para acionar a embreagem e trocar as marchas…

Poucos sabem disso, tenho certeza, mas o Câmbio Automático foi inventado por dois brasileiros, os engenheiros José Braz Araripe e seu sócio Fernando Lemos. Quem produziu efetivamente o primeiro sistema foi a General Motors Company em 1938, mas só depois de desenvolver o protótipo do projeto que José Araripe e Fernando Lemos venderam à empresa, em 1932, por US$ 10 mil, o equivalente hoje a mais de meio milhão de dólares para cada um.

Depois de sabermos de tudo isso, vamos ver, então, as transmissões disponíveis para os veículos convencionais, de uso diário, desde o início até os dias de hoje:

Câmbio Mecânico: O Câmbio Manual, ou Mecânico, é o sistema de engrenagens acionadas por uma alavanca pelo condutor, que determina o momento que achar ideal para realizar as trocas de marcha, escolhendo-as de acordo com o que entende ser a mais apropriada para a situação – velocidade, torque, condições do terreno, carga, consumo de combustível etc.

A quantidade de marchas teoricamente é ilimitada, mas na prática, por problemas de espaço e complexidade em termos de dirigibilidade, uma Caixa de Câmbio atual possui entre 5 a 7 marchas, e um número maior de marchas não quer dizer que o motor é muito potente, porque quanto mais torque o motor puder fornecer, menor será o número de marchas necessárias.

Funcionamento: As trocas de marchas se dão através da utilização simultânea da alavanca de mudança com o acionamento da embreagem, cuja função nesse contexto é interromper o torque proveniente do motor, permitindo ao sistema de engate vencer apenas a inércia gerada pelo disco da embreagem, eixo piloto (eixo de entrada), contra eixo (eixo intermediário) e a engrenagem correspondente à marcha engatada. Só ignore o acionamento da embreagem se tiver certeza de saber o que está fazendo, ou vai dar besteira e quebrar a Caixa de Câmbio.

Configuração: Alavanca situada no console central (nos veículos mais antigos era situada na coluna de direção), com movimentos em H para a troca das marchas.

Vantagens: Por ser o sistema de transmissão mais antigo da história, a maioria das oficinas mecânicas podem fazer reparos simples ou, no caso de troca, o conjunto inteiro não é um absurdo de caro.

Desvantagens: Passar o dia apertando a embreagem cansa um bocado; pessoas com algum tipo de deficiência encontram dificuldades imensas – e caras – para poder dirigir. É difícil encontrar um motorista que saiba, de verdade, as horas corretas de trocar as marchas.

Câmbio Automático (ou hidramático, como falam os mais antigos…) é o sistema onde as trocas de marchas são realizadas pelo próprio sistema de transmissão do automóvel, que detecta sozinho a relação entre a velocidade do carro e as rotações do motor para decidir pela troca da marcha, mantendo a rotação do motor quase constante com o câmbio automaticamente fazendo as trocas das marchas nos momentos corretos. Antigamente sentia-se uma espécie de “balanço” no carro quando do momento das trocas, mas nos sistemas modernos a troca das marchas de maneira totalmente imperceptível ao motorista. Nos Estados Unidos, desde a década de 50 quase todos os veículos saem de fábrica com Câmbio Automático, sendo o Câmbio Mecânico um opcional que exige um curso de aperfeiçoamento para se habilitar a dirigi-lo. Como brasileiro é um poço de tabus e pré-conceitos absolutamente infundados, o sistema demorou para “pegar” por aqui, porque o populacho dizia que “carro automático é pra aleijado”… é por isso que os avanços tecnológicos demoram à chegar por aqui. Insistimos em deixar claro que somos refratários a novas idéias e blindados com nossas manias Neandertais…

Funcionamento: Ao contrário do Câmbio Mecânico, que trabalha com engrenagens de tamanhos diferentes e engatadas individualmente, o câmbio automático utiliza-se do sistema de engrenagens planetárias que, mesmo sendo de tamanhos diferentes, estão todas sempre engatadas entre si e a relação da força é dada de acordo com a ordem que essas engrenagens estão conectadas. Só dá besteira se o condutor resolver interferir nos momentos das trocas, que é possível ao mover-se a alavanca seletora.

Configuração: Alavanca no console central ou na coluna de direção, com as indicações:

P – Park: para estacionar, recomendado para dar a partida e desligar o motor do automóvel, além de bloquear as rodas de tração; R – Reverse: marcha-a-ré; N – Neutral: ponto morto. Posição que pode ser usada ao dar a partida e desligar, mas não bloqueia as rodas de tração; D – Drive: para movimentar o veículo para frente, usado na maior parte do tempo de direção; 4 – 3 – 2 – 1: Posições que permitem o bloqueio das marchas 4, 3, 2 e 1. Os sistemas mais modernos tem ainda seletores para condução normal, esportiva, no gelo e na lama. Basta girá-los na posição desejada e de um jeito ou de outro, o Câmbio Automático saberá o que tem de fazer, basta ao motorista controlar o acelerador, o volante e os freios.

Vantagens: Facilidade de condução, redução da fadiga, conforto, segurança (um carro com Câmbio Automático não “pega no tranco”…), maior durabilidade do motor e de todos os componentes que compõem a transmissão, que são o diferencial, o eixo cardan e a própria caixa.

Desvantagens: Procurando aqui… ah: maior consumo de combustível porque o conversor de torque desperdiça parte da energia mecânica transferida pelo motor. Isso até a década de 80, né? O mundo evoluiu um pouco; custo elevado em relação ao câmbio mecânico por ser considerado “equipamento de luxo”…; a cada 50.000 Km rodados, em média, se faz necessária a troca do fluido hidráulico. Deveriam fazer a mesma coisa nos Câmbios Mecânicos, mas mais um tabu made in Brasil diz que isso não é necessário; o custo de reparos pode chegar a 20% ou 40% do valor de venda do veiculo e, dependendo do ano e modelo, poderá ultrapassar essa percentagem. Correto. Porém, com a manutenção e uso corretos, o carro se acaba antes do Câmbio Automático.

Câmbio Semi Automático ou Câmbio Automatizado, como o marketing das montadoras decidiu rebatizar o equipamento, é um sistema que usa computadores e sensores para executar trocas de marchas, a fim de melhorar a dirigibilidade principalmente em cidades onde se é necessária uma grande quantidade de troca de marchas. Um Câmbio Automático mais inteligente? Talvez…

Funcionamento: Ao contrário do Câmbio Automático, que usa o sistema de engrenagens planetárias  sempre engatadas entre si, no Câmbio Semi-Automático é utilizado o mesmo princípio do Câmbio Manual, com cada engrenagem representando uma marcha e sendo engatadas individualmente, só que através de mecanismos comandados por controle eletrônico. Também ao contrário do Câmbio Automático, que usa o conversor de torque no lugar do disco de embreagem para mudar a posição das engrenagens, no sistema Semi Automático utiliza um equipamento controlado eletronicamente para comandar a embreagem, eliminando o pedal, e também ajustando o timing (tempo e velocidade do acionamento) para as trocas de marchas serem rápidas e suaves.

Configuração: A alavanca é situada no console central e/ou na coluna de direção, acionando-o por “borboletas” colocadas atrás do volante, conhecidas por Paddle Shift; contudo a troca das marchas quando na opção manual é simples, posicionando a alavanca para o lado indicado na base da alavanca de troca de marchas (passando para a opção manual) e pressionando a mesma para frente ou para trás, conforme indicado no console da alavanca de cada modelo.

Atualmente muitos Câmbios Semi Automáticos podem operar como Câmbios Automáticos, deixando por conta do computador de transmissão determinar as trocas de marchas automaticamente, e alguns até diminuem as marchas automaticamente em frenagens mesmo no modo manual. N (Neutral): Posição neutra de ponto morto que deve ser usada ao dar a partida e desligar. Não bloqueia as rodas de tração. R – Reverse: Marcha-a-ré; A/M – Automatic/Manual – ou D/M – Drive/Manual: Alterna entre o modo de troca de marchas automatico feito pelo computador; ou manual, feito pelo motorista; S – Sport: Botão que ativa o modo esportivo, usado para acelerações rápidas onde as marchas são mudadas a altas rotações; + e -: aumentam ou diminuem a marcha de modo sequencial, quando no modo manual.

Como é mania na indústria automobilística, cada montadora “batiza” o mesmíssimo sistema ou dispositivo com nomes diferentes, para parecerem diferentes, e as pessoas acreditarem que são diferentes. Com o Câmbio Semi Automático não é diferente, pois o princípio e o sistema é padrão. O que varia são apenas os detectores das trocas de marchas nos computadores, mas isso é muito lógico, já que cada carro tem tamanho, peso, motor e potência diferentes. Portanto, TipTronic, S-Tronic, Dualogic, Easytronic, I-Motion, Powershift e uma infinidades de nomes, variando apenas de marca, são exatamente as mesmas coisas com outro nome.

Vantagens: Custo de fabricação inferior ao do Câmbio Automático;  permite ao motorista poder alternar entre o modo automático e manual, algo que me parece absolutamente inútil; aumentando a vida útil das engrenagens em relação ao Câmbio Mecânico.

Desvantagens: apesar de existir desde 1961, o sistema ainda é “muito novo”. Caso algum  sistema eletrônico do carro – e quase tudo hoje é eletrônico – tenha qualquer pane, torna-se impossível a troca das marchas. Nem sempre o dispositivo eletrônico sabe qual a marcha deve ser engatada, principalmente em mudanças bruscas de aceleração ou inclinação do terreno. No modo de troca manual podem existir atrasos para se mudarem as marchas. As montadoras costumam culpar o motorista por essas falhas de seus sistemas que não deveriam falhar nem que o motorista insistisse em errar, afinal, alegam por aí que “computadores nunca erram”.

Dupla embreagem: Também chamada DCT dual-clutch transmission ou DSG  direct-shift gearbox, é um sistema Câmbio que, como diz o nome, utiliza duas embreagens, possibilitando trocas de marchas muito mais rapidamente do que em todos os outros tipos de transmissão, normalmente empregada em carros de altíssimo desempenho e seu funcionamento é quase idêntico ao recém-descrito Câmbio Semi Automático, só que custa 10 vezes mais caro.

Funcionamento: Como mencionado, basicamente funciona da mesma maneira do Câmbio Semi Automático, porém o Câmbio proporciona trocas de marchas muito rápidas, quase imperceptível ao motorista, tornando a condução mais suave, tanto na condição Automática quanto na Manual, através de alavanca ou Paddle Shift. Como em qualquer transmissão automática ou semi automática atual, na seleção Esporte  o sistema faz as trocas de marchas no limite do corte de giro do veiculo, com o “motor cheio” para dar mais desempenho, se desgastar mais depressa e desaparecer com o combustível do tanque. É um sistema muito bacana, mas totalmente fora do contexto para carros de uso convencional, do dia a dia.

Vantagens: Trocas absurdamente rápidas e imperceptíveis de marchas.

Desvantagens: Eleva muito o custo do carro novo e o valor da manutenção.

CVT – Continuously Variable Transmission, Transmissão Continuamente Variável: A coqueluche, última palavra em transmissão ou – para manterá sequencia – Caixa de Câmbio, é um tipo de transmissão que simula (eu disse simula) uma quantidade infinita de relações de marcha, uma vez que funciona com um sistema de duas polias de tamanhos diferentes interligadas por uma correia metálica de alta resistência, e não por retrógradas engrenagens com determinados tamanhos. A proposta do sistema CVT data de 1490, quem a idealizou foi Leonardo da Vinci, e foram necessários 396 anos para que a primeira patente do sistema fosse registrada, em 1886 pela Daimler-Benz e mais 128 anos para a indústria começar a usar…

Há anos o CVT é usado em motocicletas, jetskis, karts, snowmobiles e carrinhos de golfe, entre outros veículos pequenos. Repentinamente, “descobriram” o sistema, e o estão instalando – devidamente redimensionado, claro – em carros de passeio e pick-ups. Apesar de seu funcionamento ser um pouco diferente, é considerado pela engenharia como… Câmbio Automático. É bacana porque com seus sistema de aceleração contínua, não existem os mais suaves trancos a cada troca, o que dá a impressão de que o carro nunca troca de marchas e por isso parece infinito, além de verdadeiramente proporcionar maior economia de combustível, tanto na condição de troca manual quanto automática.

Funcionamento: Nada é simples nesse mundo. Com o CVT não poderia ser diferente. Não que seu funcionamento seja extraterrestre, mas sim porque existem diversas variáveis do mesmo conceito, sendo que os empregados atualmente nos veículos são:

 

CVT – VDP: Variable-Diameter Pulley, Polias de Diâmetro Variável. É o tipo mais comum de CVT, com 2 polias,sendo uma polia de entrada, a condutora, e uma polia de saída, a  conduzida, ambas de tamanho variável, ligadas por uma correia de metal ou borracha. Seu funcionamento dá-se basicamente porque a polia de entrada esta ligada ao motor pelo conversor de torque, e a polia de saída esta ligada ao diferencial. Conforme uma das polias diminui, a outra polia aumenta de diâmetro, alterando a relação de transmissão dos eixos. A relação do diâmetro entre as polias e a variação da velocidade de rotação são os fatores que determinam a força transmitida para as rodas, mantendo a rotação do motor sempre o mais próximo possível do ideal.

CVT – T: Toroidal. Bom, o termo toroidal vem de Toro, uma superfície gerada por uma curva fechada (um círculo, anel, disco… ) rotativo sobre, mas não interligado ou contendo um eixo no seu próprio plano. O Câmbio Toroidal é constituído por discos e roletes, e a relação de marchas é fornecida pelo movimento dos discos para cima ou para baixo. São estes discos que determinam a variação da velocidade do veículo. Quando um lado do eixo de tração move-se para o centro, que é o lado menor do disco, a outra extremidade fica em contato com o lado maior do disco, fazendo com que o veículo desacelere. Para acelerar, basta que o eixo de tração entre em contato com o lado maior do disco de entrada, e a outra extremidade do eixo entre em contato com o lado menor do disco de saída. Simples, né? Este sistema tem como principal vantagem trabalhar com torques elevados, o que não é possível com os CVT – VDP.

Vantagens: Aceleração constante sem trancos, mantém constantemente o motor na melhor faixa de potência, resposta imediata em qualquer condição de condução, economia de combustível, menor emissão de poluentes.

Desvantagens: Nenhuma, por enquanto. Porque demoraram tanto para desenvolver?

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