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CVCC – O motor que construiu a Honda!

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Não, o título não esta errado. O Japão não era, até algumas décadas atrás, nenhuma maravilha ou referência na indústria automotiva. Salvo um ou outro modelo, os carros nipônicos não eram em nada atraentes senão para o consumo interno. Este quadro só começou a mudar a partir da década de 1970, quando os fabricantes buscaram projetar modelos competitivos tanto para uso doméstico quanto para exportações. O “horizonte magnético” seguido foi, claro, o mercado norte-americano em primeiro e o europeu em segundo lugar, e hoje o pequeno país figura entre os maiores fabricantes de veículos do mundo. Como conseguiram esse milagre? Com muita engenharia reversa (tal e qual a China faz hoje…), dedicação, disciplina e uma engenharia exemplar, onde a Honda Motor Co. Ltd. contribuiu largamente para esta ascensão.

O que ninguém conta é que, em 1970, essa mesma Honda Motor Co. Ltd, após anos produzindo modelos idiossincráticos e apáticos, apesar do sucesso do modelo 1.300, entendeu que seria melhor abandonar por completo a fabricação de automóveis e se dedicar as motocicletas. Passou “ali” o fim da participação da empresa fundada por Soichiro Honda no setor automotivo. O que reverteu a situação,deu novo fôlego, impediu sua saída e trouxe a montadora para o patamar atual de uma Gigante da Indústria? Um motor!

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A década de 1970 foi aquela em que se abateu sobre o mundo a fase mais crítica da crise do petróleo, provocada pelo embargo dos países membros da OPEP (Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Golfo Pérsico e Venezuela, organização esta criada para combater o cartel das grandes petroleiras ocidentais – Standard Oil, Royal Dutch Shell, Mobil, Gulf, BP, Standard Oil of California, e Chevron) de distribuição de petróleo para os Estados Unidos e Europa, aumentando o preço do petróleo em mais de 400%, o desabastecimento nos postos foi generalizado, não havia gasolina para vender, as filas eram imensas e havia limites de quantidade para cada cliente. Estava feita a bagunça, a economia mundial levou um solavanco e os carros pequenos, com motores pequenos e consumos pequenos ganharam espaço, promovendo a aposentadoria da maioria dos transatlânticos sobre rodas e muscle-cars icônicos norte-americanos. Sorte de uns, azar de outros? É a vida, e quem pensa antes se dá melhor.

Em julho de 1972 as ruas japonesas receberam a primeira geração do Honda Civic 1200, nas versões coupé, hatchback e station wagon, que contavam com freios a disco na dianteira, bancos reclináveis e ar condicionado de série, o que era bastante avançado para a época. Mas não foi nada disso, tampouco seu design, que atraiu as atenções, mas sim seu motor 4 cilindros em linha, 1,2 litros a gasolina e 52 Cv de potência, que oferecia alta confiabilidade, economia e baixo custo de manutenção. Só que o modelo não foi muito além de apenas chamar a atenção, e seu mercado ficou praticamente restrito ao consumo interno. Porém, os engenheiros japoneses já sabiam que haviam encontrado o caminho a seguir em seu motor que, além de bastante econômico, demonstrava muita eficiência ao conseguir queimar tanto a gasolina sem chumbo quanto com chumbo, permitindo ao proprietário escolher entre o combustível mais caro ou mais barato.

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Então chegou 1975 e o notável motor Compound Vortex Controlled Combustion ou, simplesmente CVCC, também chegou, equipando o mesmo Civic em todas as suas versões. Com o mesmo design e dimensões – 3,731 mm de comprimento, 1,505 mm de largura e 1,327 mm de altura – e pesando míseros 680 kg, a versão hatchback foi imediatamente aceita no principal mercado almejado pela Honda, os Estados Unidos, onde parecia impossível imaginar que um sucesso de vendas seria um pequenino e feinho modelo japonês, com transmissão manual de 4 velocidades e tração dianteira, a antítese do gosto norte-americano pelos carrões monumentais. Foi seu motor transversal com 4 cilindros em linha, SOHC, 12 válvulas, 1,5 litros e 59 Cv de potência, extremamente econômico e com baixíssimos níveis de emissão de poluentes (sem a necessidade da utilização dos caríssimos catalisadores) o responsável pelo fenômeno, também na Europa (mais acostumada com a configuração do Civic, antiga produtora de diversos patinhos-feios semelhantes mas não tão eficientes) por ser, exatamente, o que o mundo procurava!
O que diferenciava e fazia o motor CVCC ser espetacular era a arquitetura de seu cabeçote e coletor de admissão, que proporcionavam uma combustão muito mais eficiente, queimando qualquer tipo de gasolina com grande economia e poluindo muito menos. A despeito da pomposa denominação de registro do motor, que em bom Português significa apenas Combustão Controlada de Vortex Composto, tudo era bastante simples, excetuando-se o carburador, que era um pesadelo quando o assunto era sua regulagem ideal.

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A ideia da tecnologia CVCC da Honda surgiu em 1971, quando Soichiro Honda apresentou o projeto dos engenheiros Date, Yagi e Nakagawa, que criaram o sistema de combustão pobre através de uma pré-câmara, semelhante ao empregado em alguns motores a diesel. O cabeçote do motor tem duas válvulas por cilindro, uma de escape e uma de admissão, esta responsável pelo fornecimento da mistura ar-combustível pobre (mais ar e menos gasolina) para a pré-câmara de combustão, e uma outra válvula auxiliar, que fornece a mistura ar-combustível rica (mais gasolina e menos ar) próximo da vela de ignição. Logo, o volume de ar-combustível misturado dentro do cilindro através da válvula de entrada principal é mais pobre do que o normal. O volume perto da vela de ignição, mais rico, é contido por uma pequena placa metálica perfurada. Após a ignição, a chama emerge das perfurações e inflama o restante da carga de ar-combustível, e o ciclo restante do motor é um quatro tempos padrão. E é esta combinação ( tia do que se chama hoje de “estratificação” do combustível) entre a mistura mais rica perto da vela de ignição com a mistura mais pobre pré-aquecida dentro do cilindro que permite a queima completa do combustível, conferindo potência, torque, velocidade de reação, economia e reduzindo as emissões de CO e HC na atmosfera.
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Outra grande vantagem do motor CVCC estava no fato de utilizar carburador, e não um complexo e absurdamente caro, na época, sistema de injeção de combustível, como todas as montadoras testaram à exaustão em seus sistemas de combustão de mistura estratificada – aliás, isso acontece até hoje, e quem se deu bem aprendeu tudo com o sistema da Honda –, que foi capaz de manter as cargas de mistura ar-combustível diferentes separadas dentro da câmara de combustão enquanto os demais motores precisavam aumentar a velocidade e o turbilhonamento de suas misturas para o mesmo fim. E esta grande vantagem era, também, seu calcanhar-de-Aquiles. O carburador é o Keihin “three barrel” (com três cubas), uma espécie de trijet em que sua estrutura 2 em 1 (uma parte dupla progressiva para a mistura pobre, outra parte simples para a mistura rica), também era totalmente inédita. Os dois estágios – injetor primário fornece a mistura para baixos giros e aceleração parcial, injetor secundário para altos giros e maior velocidade, cada um com sua cuba – são os convencionais conhecidos em todo carburador de corpo duplo. O pulo do gato esta no terceiro estágio, um injetor de combustível auxiliar que fornece a carga de mistura rica em separado para a câmara de pré-combustão por dutos independentes no coletor de admissão. É praticamente um mini-carburador dentro do carburador duplo, e conta com cuba, bóia, válvulas, entrada de vácuo, solenóides, ajuste de entrada de ar, ajuste de mistura de combustível e demais regulagens individuais. Que devem trabalhar em conjunto com toda essa mesma parafernália presente no cabrurador de corpo duplo desde a partida a frio até a aceleração plena. Imagine o que era manter isso bem regulado e, o pior, conseguir regular direito tudo isso… um pesadelo.

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O primeiro motor a ser testado com o sistema CVCC foi um monocilindro de 300ccᵌ, usado no modelo  hatchback N600 em janeiro de 1970, onde foram corrigidos os problemas naturais em um projeto absolutamente inédito. Com o sucesso obtido no Civic, a Honda o utilizou em seu novo projeto, o Accord, lançado em 1976, garantindo assim, também, a excelente receptividade do sedan médio no mercado norte-americano. Um motor, um modelo de sucesso no Ocidente geração após geração (o Civic acaba de entrar em sua 10ᵌ fase), e a divisão de automóveis da empresa nipônica esta mais forte do que nunca. Com o avanço das leis de emissão e as exigências de níveis admissíveis mais rigorosos, na década de 1990 a Honda abandonou o sistema CVCC, introduzindo a injeção de combustível programada em todos os modelos produzidos e, em 2007, a tecnologia Honda CVCC foi adicionado ao Patrimônio de Engenharia Mecânica do Japão. Uma justa homenagem ao motor que construiu a Honda Motor Co. Ltd.!

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