Muito poucos tiveram oportunidade de pilotar o Mickey Mouse, um protótipo derivado de um DKW Belcar sedã quatro portas.
O veículo recebeu essa denominação provavelmente de Jorge Lettry, o famoso chefe da equipe Vemag de competição até 1966. E a ideia de transformação do automóvel surgiu em uma corrida no Autódromo de Rivera, no Uruguai, quando Lettry viu um carrinho francês, Dyna Panhard, do piloto uruguaio Flor del Campo modificado e com menor distância entre eixos que exibiu muita agilidade nas curvas do travado circuito e deu trabalho aos adversários.
Quando regressou a São Paulo, Lettry transferiu ao chefe dos mecânicos da Vemag, Miguel Crispim, a ideia de construir um DKW Belcar, com menor distância entre eixos, como o Dyna Panhard, que o encantou no Uruguai.
Essa característica deu ao Dyna Panhard muita agilidade em curvas de baixa velocidade, o que representava grande vantagem em pistas travadas e em corridas de rua, muito comuns no Brasil naquela época.
A ideia de Jorge Lettry foi uma verdadeira batata quente nas mãos de Crispim. Um presente de grego.
E a ordem de Lettry foi curta e grossa:
“Vamos usar um chassi do DKW Belcar e encurtar a distância entre eixos de 2m45 para 2m15”.
Profissional cumpridor dos procedimentos e apreciador de inovações e sempre muito interessado, Crispim partiu para o desafio e deu início à transformação.
A primeira providência foi cortar o chassi e a carroceria, soldá-los e montar o novo modelo. As outras operações foram mais complicadas, porque o para-brisa ficou 6 centímetros mais baixo, para melhor fluxo aerodinâmico, o que exigiu a produção de um novo componente para o automóvel.
Com a redução do cumprimento, o modelo inicial, um sedã quatro portas, foi transformado num cupê duas portas, o que também exigiu um novo projeto interior, inclusive com a reformulação do painel de instrumentos.
Dois meses depois, o carro ficou pronto e foi levado à pista para os acertos necessários, conferir o funcionamento de todos os sistemas e, principalmente, conhecer as novas reações e o comportamento dinâmico em alta velocidade.
Sob a condução do piloto Mario César de Camargo Filho, o Mickey Mouse entusiasmou a equipe que o aprovou para circuitos de rua, com curvas de baixa velocidade, mas Marinho informou que, em autódromos, com curvas de alta velocidade, o carro exigia muito cuidado.
Miguel Crispim concordou com a opinião do piloto sobre as vantagens que o Mickey Mouse ganhou em curvas de baixa velocidade, mas que em curvas de alta velocidade tinha um comportamento preocupante e “arisco”.
A ideia de Jorge Lettry foi correta com o desempenho do novo modelo em circuitos de rua, com vitórias em Fortaleza, Recife, Salvador e em cidades do interior do Estado de São Paulo.
Mas durou pouco a experiência com o automóvel porque quando a Volkswagen assumiu o controle da Vemag e encerrou as atividades esportivas. E o patrimônio da equipe foi cedido para os integrantes da Equipe Brasil que desfrutaram dos carros e dos equipamentos durante um curto período.
O Mickey Mouse continuou participando de corridas porque o piloto Plodoaldo Arouca, conhecido pelo pseudônimo de Volante 13 o adquiriu e realizou algumas corridas, uma delas formando dupla com Jan Balder.
O apelido de Mickey Mouse foi adotado aleatoriamente para o pequeno DKW-Vemag mas rapidamente a empresa proibiu o seu uso justificando que um representante da Disney procurou a diretoria da Vemag para informar que Mickey Mouse era uma marca registrada e de uso exclusivo da empresa norte-americana.
Jorge Lettry foi o brasileiro que mais prestigiou os uruguaios em suas pistas e, por isso, sempre que podia, incluía a participação da equipe nas principais pistas do país vizinho. Foi um período importante porque a presença brasileira valorizava as competições e, em retribuição, colecionou muitas vitórias.
O Dyna Panhard que inspirou Jorge Lettry fez parte de uma das maiores frotas de carros antigos do Uruguai e de outros países da América do Sul e que, para utilização em competições, recebiam novos componentes principais para garantir melhor desempenho e o necessário nível de segurança e resistência.
Foi o aproveitamento de carros antigos nas competições que, principalmente na Argentina, deu origem à categoria de carreteras, com o reaproveitamento de velhos Ford e Chevrolet, com a instalação de motores de alta cilindrada e outros componentes.
O Brasil também seguiu a escola argentina, com a criação das categorias de Mecânica Continental e de Carreteras. A categoria Mecânica Continental foi formada por antigos monopostos Ferrari, Maserati e Alfa Romeo. E a Carretera foi o aproveitamento de velhos carros da categoria Turismo, principalmente Ford e Chevrolet.
Os veículos das duas categorias recebiam motor Corvette ou Ford Edelbrock, de elevada cilindrada que rejuvenesciam as categorias e atraiam o público com o desempenho que atingiam.