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Indústria – Plataforma Compartilhada

Fotos: Renato Pereira

 

Atualmente, tenho falado bastante em Plataforma Compartilhada. Um termo que pode parecer estranho, embora bastante lógico, que de imediato leva a entender que algum outro carro é construído sobre uma mesma base comum. E é isso mesmo. Por mais difícil que possa parecer visualmente, muitos veículos aparentemente díspares usam a mesma base. O Chevrolet Meriva utilizava a mesma plataforma Gamma SCCS do Corsa, assim como o Zafira era montado na plataforma Delta do Astra, que é a mesma utilizada hoje no Cobalt e Cruze, para ficar apenas nos modelos nacionalizados da General Motors como exemplo.

Mas esse procedimento não só não é exclusividade da montadora norte-americana como também é bastante antigo, apenas não é divulgado, assim como muita coisa do “Mundo Automotivo” é escondido a 14 chaves porque a indústria automotiva tende a manter no anonimato suas manobras de bastidores, principalmente quando uma montadora adquire outra ou opera em conjunto com a teoricamente concorrente, mas procura manter os fiéis clientes fans-de-carteirinha da marca A ou B na crença de que se trata de um produto genuíno de sua marca do coração.

A partilha de plataformas é um método de desenvolvimento onde diferentes produtos (e marcas) compartilham os mesmos componentes de um projeto comum, objetivando reduzir  custos com um processo de desenvolvimento de produção mais eficientes. Assim, as montadoras ganham em contratos com fornecedores, pelo custo reduzido na de componentes idênticos em grandes volumes. O lado ruim é que isso também limita a sua capacidade para diferenciar os veículos e impõe o risco de perder a singularidade do produto final, o que já acontece com 99,9% dos modelos atuais tanto entre suas próprias marcas quanto em relação aos concorrentes. Com raras exceções, é impossível distinguir-se rapidamente qual a montadora e o modelo da maioria do que se vê entulhando as ruas atualmente.

A prática é antiga, quase da mesma idade do nascimento dos automóveis, uma vez que  William Crapo Durant uniu a McLaughlin e a Buick, formando a General Motors Company, que adquiriu a Oldsmobile, Cadillac, Elmore, Oakland e a Pontiac em 1909 e começou a partilhar chassi e componentes entre suas marcas nessa época, e essa é a explicação do motivo pelo qual eu utilizei a General Motors como exemplo na abertura da matéria, uma deferência à paternidade do sistema. Do ponto de vista técnico, a definição básica de uma plataforma automotiva inclui o chassi ou monobloco e as suspensões com os eixos, direção, motor e outros componentes do conjunto propulsor (câmbio, diferencial, etc).

Logicamente que os tempos mudaram e a indústria automotiva evoluiu. Não, não apareceram criações fantásticas da engenharia, a evolução se deu tão e somente no desenvolvimento e aplicação de novos materiais sobre o que já existe na indústria desde o século 19, salvo uma ou outra inovação eletrônica. Os automóveis ainda são montados em chassi ou monobloco, usam motor de combustão interna ou elétricos, precisam de um motorista e se deslocam sobre pneus. No que tange a engenharia estrutural, a evolução das plataformas compartilhadas atingiu um nível de tecnologia e flexibilidade que possibilita uma redução drástica no investimento do desenvolvimento de veículos, com a arquitetura de construção modular permitindo a criação de uma grande variedade de modelos empregando o mesmo conjunto básico.

Vantagens da estratégia das plataformas compartilhadas:

Total flexibilidade e simultaneidade entre plantas (unidades fabris) em todo o mundo, além de possibilitar a transferência imediata de produção de uma planta para outra, devido à padronização das estamparias, com as pequenas alterações, estéticas, sendo resolvidas de maneira simplificada e sem custos adicionais.

Redução de custos através da utilização de recursos em escala global, assim como intercâmbio de peças e componentes buscando baratear os custos do produto final.

Aumento da utilização de plantas, com a produtividade elevada devido à redução do número de diferenças entre os modelos.

Simplificação do gerenciamento de inventário e estoque com menor número de peças diferentes, uma vez que utiliza peças e componentes iguais em vários modelos produzidos na mesma planta.
Custos de desenvolvimento baixos, uma vez que o tempo e o investimento em novos modelos é demorado e muito dispendioso, cobrindo diversos segmentos diferentes com a mesma base.
Aumento da qualidade e inovação por permitir aos fabricantes projetarem peças com menos variações, a  qualidade aumenta e as taxas de defeitos diminuem.

Desvantagens da estratégia das plataformas compartilhadas:
Falta de identidade, já que compartilhar a plataforma possibilita criar vários modelos baseados no mesmo design, mas com nomes diferentes. Isto leva determinados modelos a serem canibalizados pelas subdivisões competindo no mercado essencialmente o mesmo produto.
Mudanças incompatíveis para plataformas, já que seus dois elementos – chassi ou monobloco e carroceria – são constantes e não constantes. Se os elementos não constantes não foram concebidos para serem facilmente integrados nos elementos constantes da plataforma, alterações extensas e dispendiosas terão de ser feitas, a fim de tornar os elementos compatíveis novamente, aumentando os custos ao invés de reduzi-los.

Diluição do produto justamente porque o compartilhamento de plataformas possibilita sua utilização em muitos modelos diferentes, o que confunde os consumidores já que os modelos ficam muito semelhantes, e veículos de segmentos de luxo perdem mercado por sua semelhança com veículos de segmentos mais baratos, ou elevam-se os valores de modelos econômicos.

Concentração do risco de falhas e defeitos, pois a propensão para um maior número de recall é muito maior com o compartilhamento de plataforma. Ou seja, se um defeito é encontrado em um modelo que compartilha sua plataforma com outros dez modelos, o recall será ampliado por dez.

Estratégica e logisticamente, o compartilhamento de plataformas tornou-se altamente importante no desenvolvimento de novos modelos e no processo de inovação, porém os modelos acabados têm de ser sensíveis às necessidades de cada mercado e ao mesmo tempo manter as características de cada marca, aqueles detalhes que conquistaram os mencionados fans-de-carteirinha de cada logotipo, e isso está difícil atualmente. Aparentemente, todas as montadoras-controladoras contrataram o mesmo estúdio de engenharia e design e estes apenas aplicam nomes diferentes nos mesmos modelos de cada segmento, enterrando as identidades que as tornaram sólidas. O impacto financeiro pode ser muito bom pela economia geral percebida pelas montadoras, e pode ser um desastre em função da falta de confiança do consumidor por não conseguir distinguir um modelo de outro nem uma marca de outra. E acredite, isso acontece muito e cada vez mais.

Vamos dar uma olhada em como algumas montadoras disponibilizam suas plataformas compartilhadas? Selecionei algumas das maiores – na próxima matéria, que complementará esta, destrincharei o mapa da indústria automotiva mundial, onde você leitor conhecerá todas as montadoras, as marcas que controlam, joint ventures e, acredite-me, vai se surpreender muito – montadoras, originárias de cada um dos países que compoem o mosaico geográfico industrial, com atuação em nosso mercado, para facilitar a assimilação de todos as marcas e modelos aparentemente díspares em que uma mesma plataforma é aplicada. Vamos dar uma espiada e sim, aqui também você terá grandes surpresas!

FCA é o acrônimo de Fiat Chrysler Automobiles, novo nome do que um dia fora apenas a Fabbrica Italiana Automobili Torino ou Fiat, se preferir. O grupo, com sede em Turim, controla as marcas Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Ferrari, Fiat, Fiat Professional, Jeep, Lancia, Maserati e Ram. Possui plantas industriais na Itália, Polônia, Brasil, Argentina, Turquia, Índia, Sérvia, China, México e Canadá. Dos modelos mais conhecidos por aqui, temos a plataforma

Type Three, compartilhada com o Fiat Tempra / Marea, Alfa Romeo 155 e Lancia Dedra; a plataforma C-Evo LBW Compact Wide é utilizada no Fiat Viaggio / Ottimo, Dodge Dart, Jeep Cherokee / Renegade e Chrysler 200; a plataforma Mini é comum para o Fiat Panda Mk2 / Mk3 / 500, Lancia Ypsilon Mk3 e Ford Ka Mk2; já a GM-Fiat SCCS Small é a plataforma empregada no Fiat Punto / Fiorino, Opel / Chevrolet Corsa e Alfa Romeo MiTo, enquanto a plataforma GM-Fiat SCCS Small LWB é a mesma para o Fiat Linea / Dobló e Opel / Chevrolet Meriva e a plataforma GM-Fiat SCCS Small Wide é compartilhada pelo Fiat 500 e pelo Jeep Renegade.

Da Itália para os Estados Unidos, temos a General Motors Company, detentora das marcas Buick, Cadillac, Chevrolet, GMC, Holden, JieFang, Opel, Vauhxall, UzDaewoo e Wuling, com operações fabris nos Estados Unidos, Egito, Áustria, Espanha, França, Colômbia, Canadá, Coreia do Sul, Austrália, Brasil, Alemanha, Inglaterra, Japão, Vietnam, Polônia, Índia, Hungria, Equador, México, Tailândia, Argentina, França, Rússia, Venezuela e Indonésia. Então, a plataforma SubCompact GM4200 é compartilhada entre o Chevrolet Celta / Ágile e Montana II, Opel Corsa, Tigra e Combo; a plataforma Compact Delta Platform é comum para o Chevrolet Cobalt / Cruze / Volt e Orlando, Opel Astra / Zafira e Cascada, Pontiac G5, Buick Verano e Daewoo Laceti. Americana que é, não ficaria de fora dos SUV, e a plataforma Theta Compact Crossover é empregada no Chevrolet Captiva, Pontiac Torrent, Cadillac SRX, Saturn Vue, GMC Terrain, Opel Antara e Daewoo Winstorm.

Cruzando o Oceano Atlântico, voltamos à Europa, mais precisamente na Alemanha, sede do Volkswagen Group AG, que detém as marcas Audi, Bentley, Bugatti, Lamborghini, Man, Porsche, Seat, Škoda, Volkswagen, Volkswagen Commercial Vehicles e Volkswagen Trucks and Buses, estendendo seus tentáculos sobre praticamente todo o globo terrestre, com unidades fabris na Alemanha, Brasil, França, China, Japão, Índia, Espanha, Eslováquia, Bélgica, Estados Unidos, Austrália, Argentina, Inglaterra, Hungria, Indonésia, Rússia, Casaquistão, República Tcheca, Nigéria, Suécia, Holanda, Portugal, Polônia, México, Itália, Bósnia, Suíça, Ucrânia, Áustria, Taiwan e África do Sul. E a quantidade de plataformas compartilháveis é imensa, então selecionei as empregadas nos modelos mais conhecidos, como a PQ12 UltraCompact, base do Volkswagen Up, SEAT Mii e Škoda Citigo; a plataforma PL22BX SuperMini é empregada no Volkswagen Gol / Parati e Saveiro LB20; já a plataforma PQ24 SuperMini é comum ao Volkswagen Polo 9N / Gol MK5, SEAT Ibiza / Córdoba 6L, Škoda Fabia 6Y / 5J e Roomster; a plataforma PQ25 SuperMini é compartilhada com o Volkswagen Polo 6R, SEAT Ibiza 6J e Audi A1, enquanto a PQ35 Small Family é empregada no Audi A3 8P / Q3 8U, Volkswagen Golf Mk5 1K / Jetta Mk5 1K / Golf Mk6 5K / Eos / Scirocco Mk3 / Tiguan, SEAT León 1P /  Toledo 1P / Altea, Škoda Octavia 1Z e Yeti; a plataforma MLB/MPL MidSize é a base do Audi A4 B8 /  A5 /  Q5 /  A8 D4 e Porsche Macan, enquanto a PL62 FullLuxury é dividida entre as linhas Audi A8, Bentley Continental Flying Spur / Continental GT/GTC, Volkswagen Phaeton e a plataforma PL71 SUV é comum ao Audi Q7, Porsche Cayenne e Volkswagen Touareg.

Indo bem longe, chegamos ao Japão, casa da Nissan Motor Company (que tem 43,4% de seu controle pertencentes ao Groupe Renault da França), controladora da Datsun, Infiniti e Nismo, com plantas no Japão, China, Índia, Vietnam, Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailândia, Taiwan, México, Brasil, Marrocos, Egito, Quênia, África do Sul, Espanha, Inglaterra, Estados Unidos e Austrália. A plataforma Nissan-Renault V Compact/SubCompact, é compartilhada entre os modelos Nissan Cube / Micra K12, Datsun Go /Go+, Renault Clio II, III e IV / Modus / Symbol II / Twingo II e Wind. A plataforma  Nissan-Renault B0 é comum ao Nissan Cube, Bluebird Sylphy, Livina Geniss, Note, NV200, Tiida, Versa, Wingroad e Juke, Dácia Sandero, Logan e Duster e AvtoVaz Lada Largus. A plataforma Dacia M0 é empregada no Dácia Lodgy, Dokker, Sandero II, Logan II e Renault Symbol III, enquanto a plataforma Nissan EV é exclusiva (por enquanto…) do Leaf e a plataforma Nissan V é a base do Nissan Micra, Latio, Almera, Sunny, Versa, Invitation, Tiida, Pulsar, Sylphy, Sentra e Note.

Ainda na Ásia, vamos dar uma olhada na sul-coreana Hyundai Motor Group, dona da Kia Motors Corporation, com plantas na Coréia do Sul, Eslováquia, China, Vietnam, Brasil, Estados Unidos, Índia, República Tcheca, Turquia e Rússia. A Plataforma Hyundai-Kia J3 é empregada no Elantra, Matrix, Tibourn, Tucson, iX35, Spectra, Rondo III, Avante XD, Lavita, Coupé GK, Cerato, Carens e Sportage JE. A plataforma Hyundai-Kia J4 é compartilhada com o Elantra, i30 FD, Forte, Tucson II, iX35, Avante HD, Forte Koup e Sportage SL. A plataforma Hyundai-Kia J5 é comum ao Elantra, i30 GD, Forte, Rondo IV, Avante MD, Forte Koup e Carens. A plataforma Hyundai-Kia MX é compartilhada com os modelos i10 e Picanto, enquanto a Hyundai-Kia TB é comum ao Accent e Getz. A plataforma Hyundai-Kia JB é utilizada no Accent e Rio, e as plataformas Hyundai-Kia PB/RB são as bases do i20, iX20, Venga, Soul, HB20, Accent, Rio e Veloster. A plataforma Hyundai-Kia Y3 é a base do Sonata, Marcia e Santamo, enquanto a Hyundai-Kia Y4 é compartilhada com o Sonata EF, Santa Fé SM, Optima, Magentis MS, Trajet, Carnival e Sedona VQ, enquanto a plataforma Hyundai-Kia Y5 é empregada no Sonata NF, Grandeur, Azera TG, Santa Fé CM, Veracruz, iX55, Optma, Magentis, Lotze MG, Carens, Rondo UN, Sorento XM e Santa Fé CM. Por fim, a plataforma Hyundai-Kia Y6 é compartilhada com o Sonata, i45 YF, Grandeur, Azera HG,  Aslan, i40 VF, Optima, K5 TF, Cadenza VG, Santa Fe DM e Sorento XM F/L.

Toda essa movimentação, no entanto, nos leva a uma constatação indiscutível: independente de onde o modelo é produzido, a qualidade do conjunto deverá ser exatamente a mesma, jogando por terra, definitivamente, um dos maiores tabus-recentes do imaginário brasileiro, que teima em acreditar que tudo o que não é feito na Europa ou Estados Unidos é ruim. Se fosse ruim, as indústrias europeias e norte-americanas, assim como todas as outras, não estariam investindo maciçamente em toda a Ásia, Índia e África do Sul e desmantelando seus pátios nas Américas do Sul e Central. Tudo é uma questão unicamente financeira, e a matéria publicada  https://www.carpointnews.com.br/novo/?p=43444 não teve outro objetivo senão orientar o consumidor curioso a saber a origem de seu carro pelo único método infalível.

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