Esses personagens decidiram participar, em agosto de 1969, de uma das mais longas corridas do mundo em autódromos, uma maratona de resistência, as 84 Horas de Nürburgring, na Alemanha, que correspondeu a três dias e meio, com equipe e carros produzidos na Argentina.
Apesar do prestígio que esses nomes sempre desfrutaram no país, não foi fácil conseguir a adesão de uma fábrica de veículos.
Por sorte, o empresário Carlos Lobbosco, que um ano antes tinha começado a trabalhar na Renault como responsável pela promoção da marca, gostou da ideia e conseguiu convencer a empresa a apoiar o ousado projeto.
Ao receber a notícia de que a Renault aceitara participar do empreendimento, Fangio declarou que a atitude do grupo seria a modéstia, mas que todos iriam mostrar que sabiam da importância do desafio, cumprir o programa e que a operação não era improvisada e estava sendo estudada há mais de dois anos.
Fangio e Berta elegeram o automóvel Torino 380 W e 10 pilotos para participar da maratona, com o propósito de comprovar que o país tinha excelentes pilotos, engenheiros competentes, carros capazes de disputar a vitória entre os melhores do mundo e organização. O título de pentacampeão mundial da Fórmula 1 e o respeito a Fangio eram suficientes para dar à equipe o mesmo tratamento dedicado a famosas marcas europeias.
Na época, os argentinos eram os líderes do automobilismo na América do Sul. Além das conquistas de Fangio, foram os primeiros a receber a Fórmula 1 e tinham já na década de 50 um automobilismo bastante evoluído, com muitos equipamentos vindos da Europa. Também foram os primeiros a promover temporadas da Fórmula 2 e corridas do Campeonato Mundial de Marcas, hoje o WEC – FIA World Endurance Championship. As carreteras e as corridas que faziam nas estradas sem asfalto foram a grande base para formar renomados pilotos.
Os “Torinos de Fangio”, como foram chamados na Alemanha, causaram surpresa já no primeiro dia, liderando a corrida à frente de equipes de fábricas de grande experiência em competições e com os seus melhores carros e pilotos.
Mas, junto com a liderança, na medida em que a corrida se desenvolvia, surgiram também as notícias negativas. O carro pilotado por Cupeiro se perdeu em uma curva e precisou desistir da competição. E no segundo dia foi a vez do Torino pilotado por Luis Di Palma, apresentar problema no cárter.
O terceiro Torino que restou na maratona manteve-se à frente, disputando a liderança da prova e a Argentina transformou-se em ambiente de festa. As emissoras de rádio e os jornais refletiram o desenvolvimento de uma competição que uniu todo o país. Nas escolas, escritórios, fábricas e nas ruas, todos acompanharam solidários o único Torino que desfilava na pista exibindo a bandeira nacional pintada no porta-malas indicando o nome do país fabricante com a tradicional frase Indústria Argentina.
Os jornalistas e radialista comemoravam o fato de primeira vez uma equipe nacional ser formada para competir na Europa. Os entusiasmados comentários incentivaram os argentinos a formar uma corrente de orgulho pela liderança na competição. O país inteiro vibrava com o carro argentino entre os líderes.
O único Torino na pista continuou a surpreender o mundo, pílotado por Eduardo Copello, Larry Rodriguez e Oscar Franco que entusiasmavam os jornalistas. Mas às 53 horas de corrida, o carro que os europeus não conheciam apresentou falha no sistema de escapamento e os dirigentes da corrida informaram Fangio e Berta que precisariam consertar o carro, porque o ruído emitido ultrapassava os 83 decibéis previstos como limite pelo regulamento da prova. E algumas equipes já haviam apresentado protesto contra os argentinos.
Pelo regulamento as paradas no boxe eram penalizadas com redução de voltas percorridas em função do tempo utilizado pelos mecânicos. A equipe trabalhou com alma e consertou o carro em 9 minutos e trinta segundos, que correspondeu à redução de 19 voltas percorridas.
Essa parada foi fatal, porque o Torino foi o carro que percorreu a maior distância da prova e completou 334 voltas ao longo das 84 horas, mas foi classificado em quarto lugar, com 315 voltas computadas, atrás de uma Lancia, que completou 332 voltas (sendo 322 válidas), um BMW, 318 (319 completadas), e um Triumph, com 315 voltas, que não teve desconto de voltas.
Os Torino de Fangio e Berta percorreram quase 9.500 quilômetros nas 84 horas, com média de 112,5 km/h, tinham motor de seis cilindros em linha de 3,77 litros, com 215 cv de potência, freios dianteiros a disco e traseiros a tambor, câmbio de quatro marchas e peso de 1.365 quilos.
O êxito na maratona uniu o país e deu ao Torino muita força comercial. Com o desempenho e o êxito na Missão Argentina em Nürburgring, o carro, como produto, ganhou fama e as vendas quadruplicaram.
Quem desejar conhecer essa aventura, basta procurar no YouTube por La Mission Argentina e assistir mais de um filme sobre esse importante feito portenho. Acesse nossos podcasts: https://soundcloud.com/user-