
Texto e fotos: Renato Pereira
Esperamos todo mundo que se interessou pelo tema publicar e falar; e vimos que salvo raras, raríssimas exceções, alguém se deu ao trabalho de apontar alguns dos reais motivos e o que isso traz de nocivo ao consumidor. É difícil crer que num país com 212 milhões de habitantes, sendo 153 milhões de votantes, ainda tenha quem acredite, mesmo que sejam “apenas” 106 + 1 milhões de brasileiros, nos engodos a que somos submetidos. Como, por exemplo, essa pantomima de “combustível do futuro” aumentando a quantidade de etanol na gasolina, alegando-se defender a energia limpa e renovável ao alterar a matriz energética. Balela. Vamos aqui estudar melhor e entender o que está por trás de mais essa medida goela-abaixo engana-trouxa que, simplesmente, teremos de aceitar. Como sempre fazemos aqui no CPN, para explicar como tudo funciona, é melhor apontar toda a cadeia de fatos e eventos que culminam em um resultado, no caso, esse embuste energético-ambiental. Claro que não é uma matéria curtinha, mas é bastante elucidativa. Boa leitura e NÃO – esta não é uma matéria política, mas deveria ser.
Etanol, quem é você? O etanol é também chamado álcool etílico e, na linguagem corrente, simplesmente álcool, como conhecíamos quando das campanhas em 1975 do Proalcool, e foi rebatizado como Etanol em 2010 pela ANP – Agência Nacional do Petróleo para atender uma terminologia internacional. O Álcool brasileiro é obtido através de um processo de destilação do caldo da cana de açúcar, resultando basicamente em álcool hidratado e álcool anidro. Enquanto o álcool hidratado apresenta até 4,9% de água em sua composição, através de um processo de desidratação chega-se ao álcool anidro, com no máximo 0,4% de água. O Etanol tem valor energético 33% inferior ao da gasolina (que nunca mudou de nome…), o que significa que consome mais combustível para um mesmo resultado, e isso qualquer um consegue analisar sem muita ajuda. A seu favor, o etanol oferece combustão mais rápida e limpa, tem maior octanagem (110 RON) do que a gasolina comum (87 RON), oferece taxa de compressão ideal mais alta e isso tudo entrega melhor aceleração e performance do motor. O preço disso tudo é o maior consumo, como mencionado. Por ser 100% nacional, e ser uma mistura de álcool e água com teor mínimo de álcool de 94,5%, deveria custar bem menos da metade do valor praticado nas bombas, mas aqui é Brasil e isso não acontece. Esse é o álcool – ou etanol, como preferir – que é misturado à gasolina desde 1993, quando passou a ser obrigatoriamente adicionado em um percentual de 22%, volume que vem sendo alterado – para mais – vagarosa e discretamente desde então.
Gasolina, quem é você? Essa todo mundo sabe – ou deveria saber. É um derivado do petróleo, penúltimo dos 8 subprodutos refinados, constituído basicamente por uma mistura complexa de hidrocarbonetos, oleofínicos, naftênicos e aromáticos. A “octanagem” é um índice que mede a resistência do combustível à compressão do motor; logo, combustíveis com maior octanagem são mais resistentes a “batidas de pinos” do motor. Esta octanagem é representada por um número seguido da sigla RON (Research Octane Number – Pesquisa do Número de Octanas), que indica a percentagem de Isoctano e Heptano na mistura. Por exemplo, a gasolina com 87 octanas tem uma mistura de 87% de Isoctano e 13% de Heptano. As gasolinas comuns e aditivadas no Brasil são de 87 RON, enquanto a Premium é de 91 RON. A diferença entre a gasolina comum e a aditivada está no menor volume de enxofre e de maior volume de detergentes e dispersantes, sem alterar a octanagem, e seu uso em estradas melhora o desempenho do motor, o que não ocorre em uso urbano. A gasolina Premium sim, tem mais aditivos, maior octanagem e menor mistura de etanol – máximo de 25% em sua composição. Seu valor não é controlado por nenhum governo, e sim por questões de mercado mundial, e quando um governo se mete a controlar esse valor o resultado normalmente é a falência da petrolífera, principalmente se esta for um cabide de empregos estatal administrada por elementos cuja função passa longe da prosperidade da empresa.
E30, quem é você? É a mistura da gasolina de 87 RON + Etanol de 110 RON em uma proporção que varia entre 30% a 35% de Etanol na Gasolina. Essa é a mistura em aprovação, criada pelo MME – Ministério de Minas e Energia – através da EPE – Empresa de Pesquisa Energética, estatal braço do MME, sob a batuta do ministro Alexandre Silveira, cujo ministério encomendou ao Centro de Pesquisas do Instituto Mauá de Tecnologia (que não é estatal), que estudou, testou e analisou o “combustível do Futuro” e disse que tudo bem, não vai dar problemas nos carros e acredita (!) que o preço nas bombas irá diminuir e todos viveremos felizes para sempre. Será?
Sim, esse monte de Etanol na Gasolina elevará a octanagem. Juntinho com o consumo, que vai crescer pelos motivos explicados anteriormente sobre poder energético. Tudo bem, os motores Flex não sofrerão (ou não deveriam sofrer) menos as amarguras de um “combustível trans”, porquê a sonda lambda vai acabar entendendo o combustível e informará esse entendimento para os sensores e módulos eletrônicos que gerenciam os motores atuais. Só que o Etanol é corrosivo e seu simples armazenamento separa a água de sua composição, que por ser mais densa fica no fundo do tanque. Por outro lado, como quem efetua a mistura de água no álcool anidro não é a usina que o fornece, como saber se A: essa mistura está dentro dos padrões exigidos por lei, que é de 95,1% a 96% de álcool e B: se a mistura desse etanol com a gasolina também está dentro dos tais 30% a 35%? Se a ANP (Agência Nacional do Petróleo), outro braço do MME, é incapaz de fiscalizar eficazmente os postos de combustível hoje, por quê será diferente com o “combustível do futuro”? Não será, simples assim.
Ocorre que as verdades que chegam à população, como sempre, ou são distorcidas ou carecem de verdades. Como neste caso. Porquê ninguém está dando a menor bola para meio ambiente, país sustentável, emissões de gases, esqueça essa ladainha de cartilha. O discurso encaixa bem tanto com o momento quanto com as pseudo-pretensões propagadas pela turminha em Brasília, tem gente que acredita, mas é só discurso. Esse PL 528/2020 aprovado pelo Congresso Nacional determina que esta alteração só será implantada após aprovação da viabilidade técnica do CNPE – Grupo de Trabalho da Comissão Nacional de Política Energética, outro braço do MME. Esta decisão não é técnica e sim política. O consumidor brasileiro sempre sofreu com um combustível ruim – inclua-se aí o diesel, um dos piores do mundo – e fora dos padrões internacionais, e esta mudança só piora a situação. Mas o que levou, então, o governo a entrar de novo nessa seara sob o manto de uma cortina de fumaça midiática absurda (sim, o assunto “golpe de 8 de janeiro”…) se tem tanta coisa verdadeiramente essenciais para resolver? Dinheiro e poder, toma-lá-da-cá, te-ajudei-agora-me-ajuda, só isso.
Infelizmente é impossível desvincular a política atual desta medida tão controversa quanto silenciada do “combustível do futuro”. Bom, depende também do futuro de quem (ou “quems” se está falando). Porquê o maior usineiro do planeta, cuja empresa – junto de suas empresas-irmãs e joint-ventures – emprega 53 mil funcionários e detém R$140 bilhões em ativos é também o maior doador, como pessoa física, nas últimas eleições, mantendo imensa influência tanto na política quanto na economia do país, afinal foi o maior doador para o partido do atual Presidente da República e para o partido do atual Ministro de Minas e Energia. Assim fica fácil entender à troco de quê uma pessoa que controla a maior produção do etanol, de sua distribuição, do gás natural, do óleo lubrificante, da maior empresa ferroviária etc, dominando todo o ecossistema produtivo, enterra mais de R$8 milhões de Reais em campanhas eleitorais, se não é para poder usufruir dessa benevolência quando o cinto apertar? Essa é a resposta: Nos últimos meses, as ações de suas empresas se desvalorizaram em cerca de 50% e sua fortuna pessoal despencou de R$46 em 2021 para R$10 bilhões em 2025, isso porquê estamos ainda no quarto dos doze meses do ano. Então, uma das alternativas é pedir de volta o que foi “investido”, e aumentando a quantidade de Etanol na Gasolina, parte dessa benesse eleitoreira o ajuda a equilibrar as contas. Para disfarçar o engodo, o Governo Federal cria esta “mistura carburante tipo gasolina”, igual o leite em pó que virou “composto lácteo”, alegando reduzir os valores e cuidando do meio-ambiente, oferecendo a gasolina que te leva menos longe pelo maior custo. Não é pelo meio ambiente. Nunca foi.
Seria estranho se não fosse facilmente entendível o silêncio ensurdecedor das montadoras e importadoras de veículos frente aos problemas que até o mais desavisado mortal entende que seus produtos sofrerão pelas conseqüências desse combustível em suas unidades motrizes. Estas empresas estão visando os lucros decorrentes dos consertos constantes a que seus veículos terão de ser submetidos, o que as levará a faturar muito com o pós-venda das concessionárias, uma vez que apenas elas possuem o ferramental mecânico-eletrônico completo para as manutenções. Não, a oficina da esquina não tem o scanner muito menos as “ferramentas especiais” que as montadoras disponibilizam para suas revendas. Isso é de uma burrice cansativa, porquê o povo desinformado vai botar a culpa das quebras constantes em seus veículos, e não na porcaria com que os abastece, suas vendas diminuirão e terá de inventar outra fórmula mágica de se manterem neste teatro de horrores que é o mundo automotivo brasileiro. Duvida? Veja o panorama das pick-ups a diesel abastecidas com essa droga de biodiesel. Bombas de alta pifando, bombas injetoras travando, bicos injetores entupidos, motores quebrando e valores na casa dos R$30 mil para consertar. Vai ser diferente nos motores à gasolina? Não, não vai. Os motores perderão performance e aumentarão o consumo, vão apresentar falhas constantes e sucessivas, as bombas (e todo o restante) trabalharão muito mais quentes e como a eletrônica funciona de forma continuada – um sensor “fala” com outro, que faz o mesmo com os outros – e para evitar quebras ficarão “mancos” e beberrões. No mínimo.
Bom, até aqui tudo o que foi possível foi explicado. O que esperar então? Esperar que vai dar problemas, simples. “Ah, mas nos motores Flex não vai acontecer nenhum problema”. Teoricamente não. Só teoricamente. Estes motores continuarão a funcionar, pois foram projetados para receber qualquer percentual de ambos os combustíveis. Mas as linhas de combustíveis sofrerão e vão pifar muito mais rápido. Como já dito, o Etanol tem valor energético 33% inferior ao da Gasolina, então o motor vai precisar de muito mais combustível para alimentar seus cavalos para rodar a mesma quilometragem. Por quê quase ninguém abastece um veículo Flex com Etanol? Porquê para valer a pena, seu valor na bomba tem de ser de 25% a 30% inferior ao da Gasolina. E não é. Já nossa frota circulante, apesar de aparentemente constituída por veículos novinhos, na verdade é uma das mais velhas do mundo; os carros Flex chegaram em 2003, e existem centenas de milhares de veículos em circulação, em perfeitas condições, em nossas ruas e estradas, nascidos anteriormente. Sofrerão o diabo – e seus donos mais ainda – com essa aberração. Os importados, então, nem se fala. Não somente ficarão mancos, penando na primeira partida à frio, sofrerão corrosões metálicas, os sensores não identificarão o combustível, derreterão borrachas e elastômeros etc. E, como já dito, a imensa maioria da população por pura desinformação por pura preguiça de ler e saber o que acontece de verdade, culpará os carros e as montadoras. Que, de certa forma, merecerão essa condenação popular por se omitir e não se opor a essa situação caótica em que nosso maravilhoso Governo Federal está nos enfiando. Uma sugestão típica da atual Brasília? Se está ruim não abasteça!