Coluna Culturas do Automobilismo por Diogo Cardoso – Estudos e Pesquisas em Cultura Automobilística – um universo ainda a ser trilhado
Apresentação – Diogo da Silva Cardoso
Doutor em Geografia (UFRJ), com estágio de pós-doutorado na mesma instituição. Pesquisador, professor universitário e gestor cultural. Reside na cidade do Rio de Janeiro. Interessou-se pelo automobilismo desde a infância, quando entrar num carro era sinônimo de alegria e aventura. Sua admiração por veículos motorizados intensificou-se em 2001, quando teve a oportunidade de cruzar Portugal de cabo a rabo durante um mês, na boleia do caminhão do seu pai (um Volvo FH12). Até hoje, Diogo sonha em retomar os “passeios” com o seu pai (só que agora, dentro de uma Iveco Stralis), só que agora percorrendo toda a Europa!
Quem sabe um dia…
Estudos e pesquisas em cultura automobilística – um universo ainda a ser trilhado
O automobilismo desperta paixões, afetos, rancores, disputas e outros tipos de sentimentos. Para quem não concorda, basta observar os comentários ardentes nas redes sociais, blogs e outros veículos voltados ao automobilismo, para perceber o quão complexa e polarizada são as discussões em torno das marcas, modelos, motores, concessionárias, pós-venda etc. Mais que um mero segmento, o automobilismo construiu em torno de si uma autêntica cultura: tradições, fidelidade a uma marca, hábitos de consumo, identidade institucional, eventos competitivos e, é claro, toda uma linguagem que define a fronteira entre iniciados, intermediários e aqueles que são verdadeiros experts, isto é, aqueles que conhecem “tudo” sobre automobilismo.
Esse fenômeno ainda desperta pouca curiosidade por parte dos cientistas brasileiros. Elenco as três principais razões:
- Para os cientistas sociais e humanos (psicólogos, sociólogos, geógrafos, historiadores), “automóvel” é um fenômeno danoso para a sociedade, pois além de congestionar as cidades, polui, torna a sociedade dependente da indústria do petróleo e reproduz a cultura aristocrática típica dos brasileiros, onde ter um automóvel é o mesmo sinal de status que, em outras épocas, a charrete foi para a Corte Imperial e a aristocracia rural, e os primeiros modelos de automóveis foram para os presidentes da República e a classe empresarial emergente;
- As universidades brasileiras têm um discurso que destoa radicalmente da mentalidade do público leigo (a parcela majoritária da população brasileira). Por se tratar de diretores, professores e alunos pertencentes, em geral, à classe média, a um determinado estilo de vida urbano e a um determinado capital cultural e educacional que os colocam numa posição de destaque a ponto de criticar tudo o que o brasileiro médio pensa, faz e planeja em termos de futuro;
- Automóvel, em suma, é visto como um bem supérfluo. Sua existência, segundo os cientistas, não só reproduz valores aristocráticos e conservadores, como ameaça a ideia de transporte público e atomiza a sociedade em suas carapaças móveis e hipertecnológicas.
A despeito desse quadro desolador que impera no meio acadêmico-científico, há setores de estudos e pesquisas que já se atentaram para a importância do automobilismo e sua cultura efervescente. Não se pode olvidar de um fenômeno que atinge uma parcela significativa da população. E, para diminuir possíveis ataques contra o machismo e a heteronormatividade que impera nesse meio, hoje já se presencia mulheres em destaque como motoristas, diretoras de montadoras e outros estabelecimentos, blogueiras, youtubers e outras funções antes exclusivas ao público masculino heterossexual. Mulheres compõem hoje uma parte interessante do universo automobilístico, e cada vez mais as vemos presentes em fóruns e outros grupos de discussão na internet. Compartilho os links de duas feras em caminhão, de uma especialista em avaliação de autos, e a fala de uma diretora de uma renomada montadora:
O mais curioso é que, na Academia, boa parte das pesquisas científicas em cultura no automobilismo vem sendo conduzidas por… mulheres! Isto é um avanço e uma forma de relativizar alguns conceitos e atitudes convencionalmente adotados nesse meio. Alguns nomes de peso: Maribel Suarez, Ana Neves, Catia Schott e Mariana Cupolillo (COPPEAD/UFRJ), Leticia Casotti (COPPE/UFRJ), Maclóvia da Silva (UTFPR), Flávia Galindo (PPGE/UFRRJ), Olga Firkowski (UFPR) e Maria Miranda (UFU). Dessas autoras, Maribel Suarez é a que mais se destaca, com várias publicações, porém, todas levam a um eixo comum: o perfil do consumidor de carros e sua rede de significados simbólicos. Ela também foi a responsável pela disseminação do “método dos itinerários”, uma proposta inovadora de identificação de distintos públicos consumidores. Para quem deseja se aprofundar nesse campo de estudos e pesquisas, Maribel é uma autora referência no país.
Até agora, os textos tem focado basicamente nesses temas: a relação, ora amorosa ora conflituosa, que as marcas constroem com sua clientela (fiel ou não); os significados que as pessoas atrelam ao carro; a importância do carro nas famílias brasileiras; o papel socioambiental das montadoras e as práticas para conquista de mercado (market share).
Voltarei a este assunto em outras matérias. Para ajudá-los a não se perder no mar de referências que o Google nos dá, segue uma lista com textos (que considero os mais importantes) das autoras supracitadas:
Maribel Suarez
Assunto tratado: o método dos itinerários
Maribel Suarez e Leticia Casotti
Assunto tratado: o automóvel segundo a perspectiva das famílias
Olga Firkowski
Assunto tratado: a cadeia produtiva da Renault no Paraná e um estudo comparativo Brasil-França
Flávia Galindo
Assunto tratado: os fóruns de discussão sobre o lançamento do Hyundai HB20
Maribel Suarez e Flávia Galindo
Assunto tratado: continuação da pesquisa sobre as expectativas em torno do lançamento do Hyundai HB20
Maribel Suarez e Ana Nevez
Assunto tratado: a introdução da montadora Chery no Brasil
Maclóvia Silva
Assunto tratado: a gestão urbano-ambiental da montadora Renault na região metropolitana paranaense
Maria Miranda
Assunto tratado: os arranjos produtivos da Fiat e da Ford
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do CarPoint News.