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Coluna Drigo’s Garage – Luxo discreto

O que é o que é: é sedã, tem cerca de 2 toneladas, luxo e conforto dignos dos melhores alemães e britânicos, guarda um estilo retrô que é praticamente o mesmo há 50 anos…e é o único modelo do fabricante a usar certo tipo de motor? Se você não sabe a resposta, não fique triste; na verdade poucos sabem…no Ocidente!
O modelo em questão se chama Century e é fabricado pela…Toyota. Pasme, você que pensava que os Lexus eram o melhor em luxo e conforto que a marca era capaz de oferecer! Na hierarquia da marca, o Century se situa acima até mesmo do LS, o topo de linha da Lexus. Mas a história do Century teve seu início lá atrás, especificamente em 1967, quando foi lançada a primeira geração, que perduraria com poucas mudanças por impressionantes 30 anos (!). Foi a resposta da Toyota à conterrânea Nissan, que havia lançado seu modelo de luxo, President, em outubro de 1965.

Century (VG20), 1967-1978

O Century usava o 3V, um V8 com comando no bloco (OHV), 2 válvulas por cilindro e 3 litros de deslocamento. Utilizando alimentação por carburador e com taxa de compressão de 9,8:1, gerava 150 cv a 5.200 rpm e 24 kgfm a 3.600 rpm. Não era exatamente uma usina de força, mas cumpria bem seu papel de transportar seus mais de 1.800 kg com suavidade e silêncio. O 3V era uma evolução do Toyota V, de 2,6 litros, que equipou o Crown Eight de 1964 a 1967, como parte da segunda geração da linha Crown. Neste caso, ele desenvolvia 115 cv a 5.000 epm e 20 kgfm a 3.000 rpm. Posteriormente, o Crown Eight foi substituído pelo Century.
A Família V foi um trabalho conjunto entre a Toyota e a Yamaha, para produzir o primeiro motor japonês com bloco totalmente em liga de alumínio. Esses motores também são conhecidos como Toyota Hemi, devido ao desenho dos cabeçotes com câmaras de combustão hemisféricas, uma característica compartilhada com os Hemi da norte-americana Chrysler, mas esta é a única similaridade entre eles. Lembrando que a parceria entre ambas também produziu frutos como o 2000 GT, considerado por muitos como o primeiro supercarro japonês e que tinha estilo inspirado no Jaguar E-Type.
A primeira geração do Century permaneceu em grande parte intocada durante os impressionantes 30 anos em que foi produzida, recebendo apenas pequenas mudanças cosméticas e upgrades do motor. Em 1973, o motor subia para 3,4 litros, mas a taxa de compressão caía para 8,8:1; os valores de potência e torque passavam a 180 cv a 5.200 rpm e 28 kgfm a mais elevadas 4.400 rpm; esta versão passava a se chamar 4V-U.

Century (VG35), 1978-1982

Em 1982, o Century recebeu sua primeira mudança de modelo, atualizando todo o veículo interna e externamente (mas mantendo a mesma plataforma básica), e instalando um motor maior. O estilo era uma leve evolução do anterior, e é esta aparência que praticamente se manteve inalterada em relação à versão atual, já que o desenho introduzido em 1982 é muito desejado por sua clientela. Foi instalado um sistema de comunicações de multiplexação de fibra óptica e a mecânica ganhava mais cilindrada, desta vez subindo para 4 litros, além de injeção eletrônica e tecnologia de controle de emissões, chamada “TTC”, ou Toyota Total Clean. Agora chamado 5V-EU, o V8 produzia 190 cv a 4.800 rpm e 33 kgfm a 3.600 rpm, com taxa ainda mais baixa, de 8,5:1. Esta mecânica permaneceu a mesma até o derradeiro fim desta geração, em 1997.

Century (VG40), 1982-1987

Century (VG40), 1987-1997; poucas mudanças como faróis e grade

No interior, muito luxo e conforto como poucos imaginariam em um sedã japonês da época;
notem também os intrumentos digitais

Motor 5V-EU

Century (GZG50), lançado em 1997 e produzido até hoje

Naquele ano, o Century finalmente ganhou sua segunda geração, a GZG50. Apesar do estilo ser uma nova evolução da geração anterior, agora ele era um carro completamente novo, até o último parafuso. E nova também era sua mecânica…

https://www.youtube.com/watch?v=s1erJ1eVmLo
Video muito interessante, mostrando um pouco do processo de produção do carro (em inglês)

No lugar do V8, entra em cena o 1GZ-FE: o primeiro e, até hoje, único V12 feito pela Toyota, e que faz do Century também o primeiro e único carro de produção japonês com motor dianteiro e tração traseira equipado com um V12.

1GZ-FE

O 1GZ-FE é bem moderno, com bloco e cabeçotes de alumínio e até mesmo tampas de válvulas em magnésio (!). Também é dito que seu peso é mais ou menos o mesmo que 2JZ-GTE, o famoso 3.0 6-cilindros biturbo do Supra.
Com diâmetro dos pistões de 81 mm e curso de 80,8 mm para um total de 5 litros de deslocamento, utiliza comando duplo nos cabeçotes (DOHC), com 48 válvulas, sistema de variação do tempo de válvulas (VVT-i) e taxa de compressão de 10,5: 1. A potência oficial declarada é de 280 cv a 5.200 rpm, seguindo o acordo de cavalheiros entre os fabricantes japoneses, mas há estimativas de que o valor real seja de 310 a 325 cv. O torque máximo é de 49 kgfm a 4.000 rpm, mas mais de 40,8 kgfm já estão disponíveis a apenas 1.200 rpm. O sistema de injeção é composto de duas centralinas, uma para cada bancada de cilindros (como nos BMW V12 que vimos há alguns meses), de forma que o motor é capaz de funcionar com apenas uma bancada, no caso de uma avaria. Uma versão a gás natural também está disponível; neste caso a potência baixa para 253 cv e 42,9 kgfm de torque, que qualifica o grande sedã de 2 toneladas como um veículo de baixas emissões (LEV, ou Low Emissions Vehicle). A única transmissão era uma automática de 4 velocidades, mas em 2005 foi adotada uma caixa de 6 marchas, com programa adaptativo. Em 2010, o motor foi revisado para reduzir consumo e atender normas de emissões mais rígidas, reduzindo ligeiramente a potência e o torque para 46,9 kgfm.

Único automóvel japonês com um V12; neste caso é a versão a gás natural

O Century sempre foi fabricado em números reduzidos e de maneira relativamente artesanal. Seu público-alvo é bem específico, tradicional e conservador, nada adepto a mudanças radicais. Por exemplo, é frequentemente usado pela Casa Imperial do Japão, o Primeiro-Ministro do Japão, altos líderes governamentais e empresários executivos de alto nível.
Apesar dos números de produção baixos, não é tão difícil encontar o Century à venda nos sites de carros estrangeiros, principalmente (e obviamente) japoneses, por preços relativamente atraentes. Alguns já estão sendo exportados como veículos antigos para países como Canadá e EUA. No primeiro, a idade mínima para se importar um carro usado é de 15 anos; no segundo, 25; logo, os V12, que começaram em 1997, ainda não estão aptos a serem trazidos para os EUA. Geralmente os exemplares são do final da década de 80, início dos 90, os mais populares. E os preços são bem atraentes pra um modelo cujo conforto se equipara aos melhores europeus: de 10 a 15 mil dólares. A oferta de cores é limitada, a maioria dos exemplares são pretos, embora alguns possam ser encontrados em cinza, azul-escuro, bordô, prata ou mesmo branco, como este de 1990, com entre-eixos longo de fábrica, por pouco menos de 12,5 mil dólares. Link do anúncio abaixo.

http://bringatrailer.com/2017/03/02/factory-lwb-limo-1990-toyota-century-in-pacific-northwest/

http://bringatrailer.com/2016/02/04/only-one-in-north-america-2000-toyota-century-v12/
Já este exemplar do ano 2000 estava anunciado em Fevereiro de 2016 como o único Century da 2ª geração na América do Norte(!). E, apesar da quilometragem um pouco alta (132.000 km), a manutenção era dita estar em dia, além de não ter histórico de acidentes. O preço? Pouco menos de 8,5 mil dólares; “a barganha do século”, por tudo que o carro oferece e representa!

Um detalhe interessante: sendo o Century um carro focado para o público japonês conservador e, por que não até, patriótico, que ama seu país, ao contrário de virtualmente todos os modelos japoneses, que têm comandos internos, botões, etc. com escritas em inglês, mesmo os vendidos no Japão…no Century, é tudo escrito no dialeto kanji.

Apesar de alguns comandos serem intuitivos (como ligar ou desligar a circulação de ar) e até ter umas coisas em inglês ali…”Logic Control Deck”, na entrada para toca-fitas (!), além do nome logo “Dolby Surround” ao lado do Toyota e “Compact Disc” no outro lado…entender tudo que está escrito é uma tarefa complicada para quem não está familiarizado com o idioma japonês.

Outro detalhe interessante: devido ao mesmo motivo dos comandos estarem em japonês, o Century é oferecido, primariamente, com direção do lado direito (RHD, Right Hand Drive). Mas isso não impede que existam exemplares com direção no lado esquerdo (LHD, Left Hand Drive); raríssimos, provavelmente são encomendados para uso de embaixadas japonesas em países com tráfego no lado direito (RHT, Right Hand Traffic). Particularmente, são justamente os que eu mais consideraria em uma possível aquisição. *risos*

Exemplar LHD em Nova Iorque, EUA; talvez a foto mais conhecida de um Century em configuração LHD. Notem também o reposicionamento dos retrovisores, dos pára-lamas (seguindo leis do mercado japonês) para os locais “tradicionais” (para nós), nas portas.

https://www.youtube.com/watch?v=S2CFNvoGRT8
Vídeo de outro exemplar LHD, em Taiwan

O Century é um carro único na minha humilde opinião, por retratar um estilo de vida trabalhador, mas sem exageros, sem chamar atenção…uma discrição que contrasta com sua qualidade de construção e luxo. No Japão, o Century é considerado uma alternativa menos chamativa a um BMW Série 7 ou Mercedes-Benz Classe S; é destinado a transmitir seu sucesso na forma mais modesta e tradicional possível. Inclusive, isso é explorado pela próipria marca no panfleto do modelo, que assim diz:

“O Century é adquirido através de trabalho persistente, do tipo que é feito em um terno simples mas formal.”

Se você gosta de estar em evidência quando sai na rua, ser o centro das atenções…é melhor buscar um Bentley ou Rolls-Royce…*risos*

Falando um pouco de sua mecânica…no cenário dos carros modificados, o motor 1GZ não é amplamente utilizado, até pela dificuldade de se encontrar um exemplar à venda, visto que o único modelo que o usa é o Century. Mas é possível encontrá-lo debaixo do capô de alguns dos mais variados modelos…

https://www.youtube.com/watch?v=6bg2p8dK3jY
Lexus IS200 com 1GZ-FE; Lexus IS500? (Holanda)
Link sobre o projeto:
http://hooniverse.com/2012/07/17/lexus-is200-gets-a-v12-becomes-is500/

https://www.youtube.com/watch?v=zMTIrGPrHmg
Mercedes-Benz 190E + 1GZ-FE + 2 turbos…

https://www.youtube.com/watch?v=95doO0v8Hc8
O mesmo Mercedes acima

Tem até Porsche 928, de 1982!

1GZ-FE e transeixo de Corvette, com 6 marchas
https://www.youtube.com/watch?v=Rs8ukOeACUE

Mas talvez o mais conhecido 1GZ seja o exemplar em uso pelo Toyota Supra da famosa preparadora japonesa Top Secret. Com projeto de codinome TS8012V e apresentado no Salão de Tóquio de 2007, esse exemplar é um dos carros mais extremos já feitos pela empresa de Kazuhiko “Smokey” Nagata, o tio doido que foi banido da Inglaterra por andar a 317 km/h em vias públicas do país. Até mesmo o visual é diferenciado, seu bodykit foi nomeado “Final Evolution” pela Top Secret, custa 600 mil ienes ou pouco mais de R$ 17 mil em valores de hoje.

Monstruoso

Todo refeito, este 1GZ provavelmente também é o motor mais extremo que a Top Secret já montou. Com 2 turbinas HKS GT2835 ligadas a coletores de escape feitos sob medida, o ar admitido por elas passa por uma pressurização em alumínio até um intercooler montado em V, também feito sob medida, dali finalmente seguindo para o motor através do coletor de admissão também fabricado (a mão) especialmente para este carro. Quanto à potência e torque…por acaso 943 cv e 103 kgfm estão bons pra você?

Realmente monstruoso

O trabalho no motor inclui suportes customizados, conversão para cárter seco com uma bomba de óleo ORC melhorada, radiadores de óleo também montados em V, sistema de alimentação customizado e um par de centralinas HKS F-Con V Pro para manter tudo sob controle. A transmissão é a original do Supra, uma Gertrag V160 de 6 marchas, mas conectada a uma embreagem ORC e diferencial de deslizamento limitado (LSD, Limited Slip Differential). A combinação V12 + biturbo + intercooler + radiadores de óleo tomou tanto espaço na frente que o radiador do motor foi deslocado para o porta-malas!
A velocidade máxima teórica passa dos 400 km/h (!), mas o carro “só” atingiu 358 km/h em Nardo.
Mais informações (e fotos) sobre o carro podem ser encontradas no link abaixo:
http://www.speedhunters.com/2009/08/car_feature_gt_gt_top_secret_v12_twin_turbo_supra/

https://www.youtube.com/watch?v=5bII1hYVNa4
Vídeo sobre o carro (em japonês)

https://www.youtube.com/watch?v=pyw5HZ21bRE
Um tanto silencioso pra um carro com quase 950 cv…mas delicioso de se ouvir.

Um projeto mais recente é este Toyota GT86.

https://www.youtube.com/watch?v=h9hwUE0O2YY

https://www.youtube.com/watch?v=lhXoe-p0Xtk
Que som…

Construído pela K.K Performance, dos Emirados Árabes Unidos, e mostrado no recente evento de carros personalizados Custom Show Emirates no início de abril, este GT86 não apenas recebeu o 1GZ no lugar do 4 cilindros boxer FA20 original, como também QUATRO (4!!!!) turbocompressores…e depois foi pintado de vermelho com toques de fibra de carbono.
A primeira pergunta que você provavelmente faz é: “Por quê? Por que arruinar o perfeito equilíbrio dinâmico de um carro que, apesar de não ser um exemplo de potência, é um dos mais divertidos de dirigir deste século 21?” E eu lhe respondo: “Porque eles podem, porque eles querem, porque pra eles isso é um tapa na cara da sociedade, um ‘dane-se!’.”

No final de tudo isso…eu apenas queria uma coisa: um Century LHD, com comandos em inglês (a menos que eu soubesse japonês! haha)…levemente rebaixado, com rodas um pouco maiores, mas com desenho clássico…e um sistema de escape feito sob medida, pra roncar como esportivo exótico…mais ou menos assim:

https://www.youtube.com/watch?v=GJdibzXVKoE

https://www.youtube.com/watch?v=daFUyhKGdVo

“Apenas” isso…e eu já seria um homem feliz. *risos*
 

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