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Avaliação – Chevrolet Sonic Hatch Effect 1.6 (Aut) 2014

Fotos: Marcus Lauria

Memórias Póstumas de Brás Cubas, um livro escrito por Machado de Assis, retrata uma narrativa em primeira pessoa de um personagem que deseja contar sua autobiografia de uma forma inusitada: diretamente do túmulo. Pois bem, deixarei o papel de repórter e irei “encarnar” o Chevrolet Sonic Hatch, visando escrever daqui, de dentro de meu túmulo (visto que não sou mais importado para o Brasil pela Chevrolet), uma breve avaliação de mim mesmo.

Dedico esta avaliação ao último comprador de minha derradeira unidade abandonada no canto escuro do pátio de uma concessionária qualquer. Que o estimado leitor saiba que morri de causas naturais, mais exatamente a falta de vendas devido aos preços elevados e falta de empenho de minha querida genitora Chevrolet em divulgar mais as minhas qualidades. Não, não pense que meu primo Onix teve algo a ver com isso, embora ele tenha se utilizado de minha moderna plataforma GSV para capturar vendas que poderiam ser minhas.

Eu cheguei ao Brasil em 2012, e nunca fui um sucesso absoluto de vendas, ficando em torno de 624 unidades vendidas por mês. Apenas este ano, até Agosto, 4.246 gêmeos meus foram emplacados, acima das 500 unidades mensais previstas pela Chevrolet. Ainda assim, não foi suficiente. Minha derradeira tentativa de atrair compradores foi com uma roupagem esportiva, batizada de Effect, que é composta por adesivos na carroceria, retrovisores e rodas aro 16 pintadas em preto, além de detalhes menores, bem como o acabamento da versão LTZ. Nada mais? Sim, nada mais, pois a Fiat costumava fazer isso e dava certo.

Minha versão LTZ sempre foi bem equipada, trazendo ar-condicionado, direção hidráulica, bancos em couro, sensor de chuva, central multimídia MyLink, volante com comandos do rádio e cruise control e câmbio automático. Tudo isso pelo preço de R$ 59.890 na época da minha morte. Sim, compreendo que sempre fui caro, entregava menos que meu concorrente da Ford (New Fiesta) e custava mais caro, mas Hyundai, Honda e Toyota sempre fizeram isso e se deram bem. Nem ouse dizer que eu não tinha origem oriental, afinal minhas primeiras unidades em solo brasileiro eram importadas da Coréia do Sul.

Enfim, vamos falar da minha principal qualidade em vida: a posição de dirigir. Eu tinha amplas regulagens de altura e profundidade da coluna de direção, enquanto meu assento do motorista podia ficar colado no chão ou posicionado nas alturas, agradando tanto os aspirantes a piloto quanto mães indo buscar seus filhos na escola. Eu também era confortável, e tinha mais espaço para as pernas no banco de trás do que Ford New Fiesta e Fiat Punto. Meu porta-malas de 265 litros podia não ser dos maiores, mas eu tinha uma rede para prender bagagens menores e banco bipartido. Eu era (quase) tão útil quanto um Honda Fit!

Também fui um carro fácil de manobrar, com amplos retrovisores externos, direção hidráulica suave e sensores de estacionamento na traseira. Faltou câmera de ré, mas fui um fiel adepto da filosofia de que não se pode ter tudo. Minhas dimensões eram até compactas, com 4,04 m de comprimento, 1,52 m de altura, 2,52 m de entre eixos e 1,73 m de largura. Por sinal, tal largura me proporcionava uma chance de levar três passageiros no banco traseiro sem espremer (muito) seus ombros, como foi constatado por esse repórter que me avaliou.

No trânsito urbano eu era um foguete, sempre rápido nas esticadas e retomadas, enquanto meu câmbio automático sempre estava na marcha certa (afinal eram seis velocidades). Ouvi também muitos elogios à minha solidez e ao trabalho da minha suspensão, mesmo quando eu me deparava com o péssimo asfalto daqui do Brasil. Também sempre fui eficiente em proporcionar silêncio a bordo, deixando apenas meu motor gritar em altos giros, afinal, eu estava tentando ser um esportivo, não estava?

Já na estrada meu motor 1.6 16V de 120 cv (com Etanol) mostrava ainda mais o seu valor, especialmente quando meus condutores afundavam o pé e pediam respostas rápidas para uma ultrapassagem. Eu nunca gostei muito de levar peso extra, afinal eu era um rapaz parrudo com 1.163 kg, e quando teimavam em colocar lotação máxima em meu habitáculo, meu câmbio ficava meio indeciso, “gritando mais do que andando”, como ouvi uma passageira dizer, certa vez. Não gostei disso, afinal minha transmissão tinha opção de trocas sequenciais. Ok, não devia ser muito interessante trocar marcha apertando um botão na lateral da alavanca, mas o New Fiesta carece do mesmo mal, e está vivo, vendendo bem!

Mas eu gostava mesmo era quando me conduziam com emoção, me jogando nas curvas sem dó, fazendo meus pneus Hankook 205/55 R16 gritar forte, botando minha suspensão para trabalhar e não deixar a carroceria rolar, e testando meus freios à exaustão. Ouvi muitos elogios à minha dinâmica quase neutra, juro que fui feito para isso, enquanto também ouvi falarem que meus freios são resistentes ao fading. Ok, ok, eu sei que eu era bom para andar rápido. Só vou fingir que não ouvi (sempre) as críticas quanto às pouco convidativas trocas manuais do meu câmbio. Vocês deviam ter reclamado mais com a Chevrolet!

Prometo que estou chegando ao fim, e eu não podia tecer apenas elogios a mim mesmo, pois sempre fui um carro “justo e honesto”, e continuei sendo assim até mesmo nas dificuldades. Eu fui alcoólatra, sim, um beberrão convicto. Em trânsito urbano era difícil fazer mais do que 6,1 km/l com Etanol no meu tanque, enquanto na estrada eu bebia um pouco menos, mas 10,2 km/l foi uma das melhores marcas que consegui.  E também fiquei devendo em equipamentos, como ESP, controle de tração, ar-condicionado digital e mais airbags. Realmente o New Fiesta foi cruel comigo ao trazer esses equipamentos e custar pouco menos do que eu.

Este último parágrafo é (quase) todo de negativas. Não alcancei boas vendas, não fui top 10, não fui fabricado no Brasil e nem mudei sozinho a imagem da Chevrolet no Brasil. Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a fortuna de não perder meus bons predicados em troca de vendas mais expressivas (o famoso “empobrecimento” de alguns carros). E, ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um valoroso saldo, que são as únicas afirmativas deste parágrafo de negativas: deixei minha plataforma como legado, e toda vez que alguém olhar para o cluster de um Chevrolet da nova geração, do Onix ao Tracker, lembrará de mim.

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